25 novembro 2007

De e para António Lobo Antunes


"De quem são estes passos? De uma pessoa que morou aqui antes de nós, de ti, de mim que não paro quieto para diante e para trás no corredor, à procura de não sei quê, a tentar desembaraçar-me de não sei quê, a pensar não sei em quê, com medo?........
.....Não me mintas, não me escondas nada, de quem são estes passos que se detêm à entrada da sala, me espiam, continuam?.......Ouvem-se solas de sapatos novos que parecem rãs de charco, uma respiração acho eu, de tempos a tempos um suspiro que se aproxima e afasta, esses sons da garganta que antecedem a fala e não falam, desistem, dão ideia de se ir embora e não se vão embora, não me deixam, de quem são estes passos? Se eu pudesse levantar-me da cama, vestir o roupão, ir ver. ......., se calhar é o sangue nos meus ouvidos, qualquer coisa em mim, uma peça sei lá, que se desregulou e cambaleia, se o médico me abrisse a barriga o que encontrava dentro?.....Trastes desemparelhados de cave? O meu passado a trouxe-mouxe, a professora de Inglês com óculos escuros, Verões na praia, as ondas à noite que não terminam nunca?......."

Excerto de "Crónica - Os Passos" de António Lobo Antunes, publicada na Revista Visão nº. 768, de 22. Nov. 2007